
Durante décadas, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário criaram, ampliaram e continuam sustentando um sistema de privilégios, um sistema legal que garante supersalários, aposentadorias integrais e impunidade a seus próprios membros — enquanto a maioria da população amarga os efeitos da desigualdade, da corrupção e da precariedade dos serviços públicos.
Enquanto o povo sangra, o topo se protege
Nas últimas décadas, milhões de brasileiros enfrentaram sucessivas crises econômicas, inflação descontrolada, endividamento e desamparo do Estado. Famílias inteiras foram arrastadas para a pobreza durante os anos 1980 e 1990, e até hoje muitos de seus descendentes vivem as consequências desse colapso.
Em contraste, os membros dos Três Poderes — Legislativo, Executivo e Judiciário — vivenciaram o oposto: salários acima do teto constitucional, aposentadorias integrais, auxílios diversos e crescente blindagem legal contra responsabilização. O povo apertou o cinto. Os altos escalões, não.
O nascimento de um sistema de privilégios
Foi entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1970, durante o regime militar, que começou a arquitetura silenciosa de um modelo jurídico institucional voltado para dentro. Enquanto o país enfrentava repressão política e endividamento externo crescente, os Poderes começaram a moldar o Direito em benefício próprio. Surgiram leis que garantiam estabilidade extrema, benefícios exclusivos e uma interpretação do serviço público como carreira de elite, e não de missão republicana.
O chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, vendido como uma ascensão nacional, foi, na prática, um milagre para os países credores. O Brasil contraiu empréstimos pesados com a obrigação de gastar os recursos comprando produtos industrializados dos mesmos credores e ainda devolver o dinheiro emprestado com juros sobre juros. A conta chegou com juros altos e compromissos impagáveis, transformando o Brasil no país mais endividado do mundo nos anos 1980. A população arcou com as consequências. Os membros do topo do Três Poderes, não.
Corrupção institucional: legal, protegida e imune à crise
Com o tempo, o problema deixou de ser apenas econômico e passou a ser estrutural. A corrupção no Brasil não é apenas um crime: é um modo de funcionamento institucional. Os privilégios passaram a ser legalmente garantidos, com dispositivos interpretativos, leis sob medida e jurisprudência favorável à impunidade.
Mesmo após a redemocratização, não houve ruptura com esse modelo. Pelo contrário: a Constituição de 1988, embora cidadã em muitos aspectos, deixou abertas as portas para que os Três Poderes continuassem ampliando suas benesses. As promessas de moralização e igualdade nunca chegaram à prática.
Hoje, os mecanismos de proteção jurídica estão ainda mais sofisticados. O Direito, que deveria proteger o povo, frequentemente é usado contra ele — interpretado de forma punitiva contra quem denuncia, protesta ou luta por mudanças.
A corrupção institucionalizada não apenas desvia recursos; ela impede que o país avance. Os brasileiros vivem em um país com vastas riquezas naturais, potência produtiva e diversidade cultural — mas essas potencialidades não se convertem em bem-estar coletivo. A estrutura do Estado foi moldada para atender a quem o controla, não a quem dele depende.
A resistência à mudança está dentro do poder
O mais grave é que as novas gerações que chegam ao topo do serviço público não rompem com essa lógica. Juízes, parlamentares, procuradores, ministros e gestores públicos — mesmo os oriundos de classes trabalhadoras — acabam se adaptando ao sistema de privilégios. A estrutura é tão protegida que enfrentar seus vícios significa sofrer represálias internas, isolamento político ou até perseguição judicial.
Não há interesse real dentro dos Três Poderes em transformar esse modelo. Afinal, foi ele quem os ergueu — e é ele quem os sustenta. A lógica é de continuidade, não de correção.
Quando os Três Poderes atuam em aliança tácita para proteger privilégios, ignorar o sofrimento da população e controlar o Direito em causa própria, não se vive uma democracia — vive-se a ilusão de uma
A capacidade de elites influentes de moldar o ambiente legal, regulatório e institucional conforme seus próprios interesses, muitas vezes utilizando canais aparentemente legítimos — como doações, lobby e nomeações estratégicas — só é possível porque os Três Poderes estão dominados por líderes que carecem de virtude e compromisso com o bem comum.